quarta-feira, 28 de março de 2007

Vidas ...


Mariazinha tem 73 anos. A idade dá-lhe o pudor que a vida podia ter-lhe roubado. Quando começou a prostituir-se, aos 22, os tempos eram outros. A prostituição era tolerada por Salazar, havia rotas conhecidas onde os homens de boas famílias levavam os filhos para iniciarem a vida sexual. As "mulheres da vida" não eram bem-vistas, "mas havia uma certa consideração que hoje não há".
Boa parte da sua vida - boa parte desta vida - consiste na espera. As novas aguardam de pé, empoleiradas em saltos de 15 centímetros. Mariazinha já não aguenta tamanhos malabaris-mos. Está sentada numa caixa de cartão, perto do Cais do Sodré. Tem as mãos pousadas no colo, uma por cima da outra. Não tem blush, nem baton, nem rímel. Veste uma blusa apertada até cima, um casaquinho de malha grossa e uma saia pelo meio da perna. Parece uma avó. É uma avó.
Mariazinha guarda, aos 73 anos, um segredo com duas gerações. Quase três. Os filhos não sabem que aluga o corpo como forma de vida. Os netos também não. E se a neta mais velha cumprir o prometido e lhe der um bisneto em breve, essa terceira geração viverá também no desconhecimento da verdade. "Já viu o que era saberem que vou para as pensões com homens? Não era capaz!"
"A reforma que tenho é uma miséria. Mas dá para viver. Cheguei a sair das ruas durante seis meses. Mas depois... Estava sempre sozinha. Não tinha ninguém. E comecei a sentir falta da minha esquina, deste cantinho onde já estou há tantos anos, onde conheço toda a gente."
Daqui
Tem uma cruz ao peito e, na carteira, ao lado do retrato dos netos, guarda a imagem de Nossa Senhora. Adelaide está à beira de fazer 65 anos e é prostituta. Não tem à vista os estereótipos associados à profissão.A viuvez ainda se revela no saia-casaco preto, a tristeza que tem sido a sua vida desenrola-se como um novelo logo na primeira conversa. "Vim para a vida aos trinta anos. Era empregada de limpeza, ganhava mal, tinha três filhos, e uma vizinha falou-me nisto. Que se ganhava bem, que não custava assim tanto." E custou? "Oh! Das primeiras vezes fartei-me de chorar. Depois... acostumei-me." E hoje? "Hoje é como comer pão com manteiga."
Nunca contou aos filhos. "Um deles está na universidade privada. Não podia dizer-lhe que a mãe anda na má vida para lhe pagar os estudos. As únicas pessoas que sabem são os meus irmãos. Mas até a esses me arrependo de ter contado. Um dia, numa discussão, mandaram-me à cara que era uma puta velha! Depois, um dia precisaram de mim e eu respondi: Dinheiro de puta não serve para gente séria!" Mimi contou tudo aos filhos: "Um dia sentei-os todos à mesa e disse: 'Se não sabiam já, ficam a saber agora. A mãe é puta.' Fartei-me de chorar. Mas eles compreenderam. E hoje o meu mais novo vem cá sempre
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